Homenagem a Zé Forguet

Este blog é uma homenagem que fazemos a José Carlos Filho, o Zé Fogueteiro, ou Zé Forguet, como é chamado pelos amigos mais chegados...,poeta dos sertões de Juruaia, cidadezinha do sul de Minas.

Seus versos, cheios de referências pitorescas, falam de tempos e lugares únicos, onde a simplicidade e a natureza são sua marca maior. Revelam, igualmente, uma alma generosa, que um dia se pôs a escrever poesias de uma graça singular. São estrofes que tem o poder de tocar a alma de todos aqueles que nelas mergulham, e permanecem na lembrança como frutos de uma vida cheia de amor e de paixão por sua terra natal.

Deixamos aqui um tributo a esse homem matuto que, sem saber, formava um acervo mais que exemplar, digno de um Graciliano Ramos...

Que Deus o abençoe, Zé Forguet, poeta da simplicidade, e que suas trovas possam enlevar muitos corações, propagando a cultura desta terra tão querida, Minas Gerais e seus sertões...


Pequena Biografia de Zé Forguet

José Carlos Filho, conhecido como “Zé Forguet”, ou “Zé Fogueteiro”, filho de José Carlos de Oliveira, e Clara Maria de Oliveira, nasceu em 31/07/40, no bairro Cocorobó, distrito de Juruaia, município de Muzambinho MG.

Fez seus primeiros estudos na antiga escola Reunidas de Juruaia, de maneira muito irregular, pois tinha que ajudar seus pais em seus trabalhos diários. Depois, frequentou por algum tempo o Grupo Escolar Eduardo Senedese, sem, contudo, terminar o curso primário. Na pré-adolescência, ajudava seu pai nos afazeres da roça, como também na confecção de fogos de artificio, fato que lhe deu a alcunha de “Zé Fogueteiro”.

Sendo interessado nas coisas da roça e principalmente às relacionadas aos animais, veio, ainda novo, a trabalhar no transporte de boiadas, desde o centro-oeste de Minas Gerais, sul de Minas, até Araçatuba e Presidente Prudente, em São Paulo, entre outras.

Na sua juventude exerceu diversas profissões, como por exemplo, servente de pedreiro e marceneiro, além de trabalhar na confecção de selas para cavalos. Depois, indo para São Paulo, trabalhou como metalúrgico, quando tornou-se funileiro e pintor de automóveis. De volta a sua terra natal, montou uma pequena oficina de reparos, onde trabalhou muitos anos até se aposentar.

Tem profundo amor pelos animais e a natureza, os quais defende com todo ardor. Ama a moda caipira, assim como toda boa música, desde o samba ao clássico, e as conhece como poucos, letra, música e autores. Entende muito de cinema, do bom cinema, como do bom livro. Tem excelente cultura, sem ter tido escola. Possui caráter forte e inabalável, riqueza herdada de seus antepassados, nobres formadores do povo mineiro.

Mineiro como poucos, gosta de subir as montanhas só para ver o que há do outro lado, e de lá, do cimo, divagar sobre a grandeza do universo. Entre seus prazeres, escrever é ao que mais se dedica. Com sua maneira simples, retrata a saga do homem do interior, seus amores e decepções, sua terra, seus animais, as coisas que estão sendo destruídas em prol do progresso, que esquece o homem e a natureza.

Crítico feroz da improbidade, da falta de caráter, da ganância e da ignorância. Levado pelas imposturas e pela dureza da vida, não conseguiu frequentar escola regularmente, pois tinha que sobreviver. Se assim não fosse, seria seguramente um prêmio NOBEL, se esse prêmio fosse dado apenas aos homens com H maiúsculo.


SOBRE AS POESIAS

As poesias aqui publicadas foram compostas em linguagem caipira, e contém palavras próprias do linguajar caboclo, interiorano, mineiro...coisas do Zé Forguet, como é chamado carinhosamente pelos amigos...Procurei ser o mais fiel possível aos originais escritos a caneta esferográfica sobre papel pautado, fazendo apenas pequenas correções quanto à grafia ou acrescentando algum artigo porventura esquecido. Mas mantive aquelas palavras que sei que fazem parte do vocabulário do Zé Forguet, e não me preocupei em consertar alguns pequenos deslizes de concordância ou grafia, para não tirar a pureza e a originalidade de suas composições. Assim, palavras como mourada, prantação, exageiro, feichada, simpricidade, corguinho, compõem as singelas poesias do Zé. Como ele mesmo diz em seu poema RETRATO DO MEU PAI: "desculpe se escrevo errado, é que não sou bem letrado..."





terça-feira, 31 de março de 2015

FALTA DE AMOR




Quando a porteira fechou
bateu forte no mourão
foi pancada dolorida
que feriu meu coração:
a mulher que foi embora
sem sequer dizer adeus
desprezando meu ranchinho
me deixando aqui sozinho
sepultando os sonhos meus...




Quando olho na estrada
coberta pelo areião
mais triste volto pro rancho
onde abraço a solidão:
onde mora a saudade
a tristeza não tem fim
por isso eu pergunto agora
será que onde ela mora
inda se lembra de mim?...

Eu passo horas sentado
na sombra do buriti
só pra nunca esquecer
que com ela eu sentava ali:
procuro numa canção
amenizar minha dor
mas cantar eu não consigo
somente sai um gemido
deste peito sofredor...

À noite, em meu quarto triste
choro sem consolação
abraçando a saudade
durmo com a solidão:
quando por fim adormeço
sonho abraçar meu amor
que foi tudo em minha vida
mas dessa flor tão querida
eu não fui merecedor...


Sozinho vou me acabando
desprovido de amor
perdendo quem tanto quis
perdi todo o meu vigor:
meu rancho é rancho triste
e rancho de sofredor
com meu coração magoado
do mundo vivo isolado
sofrendo falta de amor...

COMO ESTEIO DE AROEIRA de Carlinho Goiano e Zé Fogueteiro

Velho esteio de aroeira
que foi árvore florida
na aurora da minha vida
cruzaram nossos destinos:
no decorrer da infância
tua sombra me acolhia
no avançar do dia a dia
eu deixei de ser menino...


E como a brisa que passa
eu saí da pouca idade
sonhos de felicidade
era tudo que eu buscava:
o vento forte soprando
e as folhas a balançar
pareciam sussurrar
meu amor ali chegava...

Embalado pelos sonhos
eu não via desenganos
com o passar de poucos anos
fui ficando desatento:
foi então que conheci
uma cabocla faceira
uma paixão traiçoeira
dominou meu sentimento...

Iludido como estava
só via ela e mais nada
com a alma alucinada
só pensava em seus carinhos:
vencido pelo egoísmo
na minha mente só veio
te abater para esteio
sustento do meu ranchinho...

Te agredindo com machado
não entendi seu gemido
deixei no chão estendido
sem perceber fui cruel:
na ilusão de ser feliz
o que se faz vale à pena
abraçado à morena
meu ranchinho era um céu...



Já diz o velho ditado
tudo que é bom tem um fim
ela, cansada de mim,
foi em busca de outro amor:
vencido pelo ciúme
segui os dois e matei
foi assim que me vinguei
apracando meu rancor...

a partir daquele dia
minha vida foi ao chão
vinte anos de prisão
fiquei ausente do mundo:
da vida já nada espero
vivo com a solidão
que maltrata o coração
esse desgosto profundo...

troquei o verde das matas
por este mundo cinzento
só remorso e sofrimento
pela vida carreguei:
essa amargura no peito
me assola a todo momento
meu Deus, que arrependimento
do dia em que eu te cortei...
 
"Carlinho, onde estiver, meus respeitos..."

NÃO MORREU versão de Zé Fogueteiro

Faz tanto tempo que eu guardo um sofrimento
recordando o que foste em meu viver:
já faz tempo que arrasto um sentimento
porém não consigo te esquecer.

Nossas vidas se perderam na distância,
meu amor por você não floresceu
hoje vive embalada em outros braços
e eu carrego este amor que não morreu.


Digas para que eu possa compreender
porque sempre, sempre fui tão desprezado
sabendo que te amo e tu me amas
e ter esse amor sempre negado?

Não te peço nem te imploro compaixão
só te peço que escute esta canção
esse amor viverá em minha mente
e você dentro do meu coração.

sexta-feira, 27 de março de 2015

NÃO ERA MEU

Meu pensamento procura
um amor que já foi meu
inspiração dos meus sonhos
sonhos que não floresceu:
na flora da existência
uma flor apareceu
seu nome era esperança
tanta esperança me deu:
acreditei no amor
amor que não era meu...

no mundo vivo vagando
porque a sorte não sorri
sem razão para viver
só vivo porque nasci:
só tenho aqui minha vida
nada mais que consegui
e mesmo assim vou perdendo
o pouco que não perdi:
a mulher que tanto amei
pra ela eu já morri

me acolhi na solidão
do mundo vivo isolado
a esperança que eu tive
ficou morta no passado:
devo cumprir minha sina
sina de um fracassado
pagando e cumprindo penas
penas sem ser condenado:
na prisão da minha vida
com sofrimento dobrado...

agradeço pela sorte
sem nada me lamentar
me embarquei num barco triste
que não tem onde chegar:
me sinto um dia sem sol
uma noite sem luar
uma estrela apagada
que já cansou de brilhar:
vou levado pela vida
até a morte me buscar...

ADEUS

Venho aqui por um momento
já passado tanto tempo
com você nos braços meus:
como chegar a tal ponto?
te envolver a este encontro
só pra dizer-lhe adeus?...

é muito difícil dizer
sabendo  não entender
e que ponto revoltar?
não encontro outra saída
de sair da tua vida
sem ter que te magoar...

vou partir não sei pra onde
o motivo não corresponde
vou partir vai ser agora:
sei que vou lhe abandonar
sem saber lhe expricar
eu tenho que ir embora...

por favor, não digas nada
deixe eu seguir minha estrada
caminhos que eu não sei:
não sei se o sonho acabou
sem você eu nada sou
mas é assim que manda a lei...

não é que eu seja covarde
isso saberá mais tarde
porque não te revelar?
o que vai acontecer
só o futuro vai dizer
porque um dia eu vou voltar...

sendo tão bela, tão pura
a mais doce criatura
vou deixar-te enquanto é tempo:
nossas promessas e juras
nosso amor, nossas loucuras
consequência do momento...

vendo o quanto estou afrito
olhe para o infinito
ponha fé nos dias teus:
você de tudo é capaz
busque força, busque paz
enquanto é tempo, amor...adeus...

VOU VOLTAR PRO MEU SERTÃO

De regresso à minha terra
vou cortando estradão
vou atravessando serras
por chapadas e grotão:
quero rever minha gente
montar meu velho alazão
galopar pelo serrado
voltando pro meu sertão...



pra rever minha mãezinha
aos pés da santa a rezar
para que a Virgem Maria
sempre nos abençoar:
quero beber água na fonte
ouvindo o seu murmurar
quero ouvir por todo o canto
passarinhos a cantar...



aquele velho caminho
que percorria em criança
lá no alto da colina
acendi minha esperança:
lá encontrei minha amada
que não me sai da lembrança
um lindo botão de rosa
colhido na minha infância...



pra voltar pra minha terra
estou de malas na mão
quero deixar a cidade
onde vivi de ilusão:
quero rever o ranchinho
que fica no baixadão
carregado de esperança
vou voltar pro meu sertão...

quinta-feira, 26 de março de 2015

MULHERES DE JURUAIA

Mulheres de Juruaia
desfilando na cidade
forma uma nuvem vermelha
gritando por liberdade:
mulheres de toda classe
jovens, crianças e anciãs
por uma causa unidas
se tornam todas irmãs...

Percorrem vilas e bairros
e toda área rural
mostrando a todas pessoas
a luta de um ideal:
valente como guerreiras
a lutar com galhardia
empenho feito no centro
e em toda periferia...

Desfilam por Juruaia
com beleza e simpatia
buscando dias melhores
labutam no dia-a-dia:
professoras, funcionárias,
com a mesma dedicação
enobrecem o trabalho
orgulhando a profissão...

Numa luta com civismo
empunhando uma bandeira
buscam uma causa decente
uma causa verdadeira:
querem levar Juruaia
às trilhagens do sucesso
a bandeira empunhada
vem pedir ordem e progresso...

Mulheres de Juruaia
escreveram sua história
tiveram seus nomes gravados
numa página de glória:
a vitória vos espera
senhoras da minha terra
com a luta empenhada
a história não encerra...

Venho hoje a louvá-las
por essa luta honrosa
unidas e dedicadas
hão de ser vitoriosas:
vossos nomes serão lembrados
como o nome de Maria
encontrará sempre espaço
nas rimas de uma poesia...

A honra de Juruaia
que vieste a defender
à custa de ferro e fogo
novo hino vai nascer:
em páginas coloridas
carregadas de esperança
em louvor de Juruaia
pequenina Barra Mansa...

SEM SAÍDA

Se arrastando pela vida
rumo a um beco sem saída
onde só há perdição:
levo angústia e sofrimento
qualquer hora eu me arrebento
estou perdendo a razão...

Já não encontro caminho
onde estou, estou sozinho
pelo mundo maltratado:
com a canga no cangote
uivando como coiote
atravessando o serrado...



Enfrento o mesmo abandono
de um cão que perde o dono
a vagar pelas estradas:
e nas ruas da cidade
enfrentando a crueldade
de pessoas desalmadas...

Já nada espero da vida
vejo a esperança perdida
como um barco naufragado:
já perdi a moradia
o pouco que eu possuía
também já me foi tirado...

Hoje nada mais me ilude
já perdi a juventude
e tudo que foi sonhado:
tá me faltando trabalho
o que faço é quebra-galho
mesmo assim me sinto honrado...



Estou próximo do fim
se é que foi escrito assim
seja o que Deus quiser:
viver assim como eu vivo
sem ser preso, sou cativo
este mundo não me quer...

Já perdi o meu reinado
numa sombra do passado
sem querer me transformei:
se às vezes me vê sorrindo
não sabe o que estou sentindo
porque somente eu sei...

Arrastado pelo tempo
levo amargura e sofrimento
que marcaram os dias meus:
mesmo com a alma ferida
eu não vou perder na vida
é a fé que eu tenho em Deus...

VIOLA CALADA


A viola está calada
esquecida, abandonada,
por falta de cantador:
a muito tempo esquecida
como uma joia perdida
não demonstra mais valor...

Quem ouviu seu ponteado
não esquece seu recado
junto à voz do cantador:
seu ponteio na canção
toucava qualquer coração
que sofresse por amor...

Mesmo estando calada
faz lembrar velhas toadas
falando de um bem querer:
sem querer meus olhos chora
sabendo que foi embora
a razão do meu viver...
Vejo a Lua prateada
lembro as frias madrugadas
a cantar em serenata:
em frente a qualquer janela
cantando, eu pensava nela
vendo a Lua cor de prata...


Com o gemido do vento
o meu canto era um lamento
teu ponteio, um gemido:
tantas notas musicais
ficaram longe, lá atrás
com o tempo esquecido...
Velha viola calada
me dói vê-la desativada
ver que tudo emudeceu:
guarda as cordas enferrujadas
porque já foste doada
hoje é peça de museu...
Teu bonito ponteado
ficará sempre lembrado
por onde você passou:
quem te viu jamais esquece
teu ponteio era uma prece
junto à voz do cantador...

quarta-feira, 25 de março de 2015

PERTINHO DO HORIZONTE

Bem lá no alto do monte
pertinho do horizonte
um ranchinho ainda existe:
todo velho, esburacado
pelo tempo desgastado
tudo ali é muito triste...
 
 
Foi lá que passei minha infância
meus sonhos, minhas esperanças
passei minha mocidade:
tive momentos de glória
que carrego na memória
e me dá tanta saudade...
 
À noite, por todo canto
só se via os pirilampos
voando de lá para cá:
sobre as rosas amarelas
banhada pelas estrelas
e os raios de luar...
 
No romper da madrugada
em coro, a passarada
cantava com harmonia:
e o galo no puleiro
cantando pro mundo inteiro
saudava um novo dia...
 
Até que eu fui embora
saí pelo mundo afora
levado pela ambição:
e nas luzes da cidade
mostrando capacidade
encontrei decepção...
 
Com aquela barulheira
dia, mês, semana inteira
só pensava em trabalhar:
sendo eu bom empregado
mostrava um trabalho honrado
nada tinha a reclamar...
 
Em um mundo diferente
no meio de tanta gente
distante do meu lugar:
meu mundo não era ali
por isso é que decidi
pro meu sertão regressar...
 
E voltei pra minha terra,
subi no alto da serra
fui rever o meu ranchinho:
vencido pela tristeza
eu chorei com a natureza
para não chorar sozinho...
 
 
Tudo vi no abandono
não vi seus antigos donos
que ali foi morador:
tudo foi se acabando
gente que foram tombando
prestar conta ao Criador...
 
E ali no alto monte
pertinho do horizonte
nada mais existe agora:
tudo ali se transformou
tudo ali se acabou
no dia em que eu fui embora...